Editorial
UM POUCO DE TUDO…
Dos Lloyd Georges da Babilónia
Não reza a história nada.
Dos Briands da Assíria ou do Egipto,
Dos Trotskys de qualquer colónia
Grega ou romana já passada,
O nome é morto, inda que escrito.
Só o parvo dum poeta, ou um louco
Que fazia filosofia,
Ou um geómetra maduro,
Sobrevive a esse tanto pouco
Que está lá para trás no escuro
E nem a história já historia. (…)
Álvaro de Campos
O Centro Lusitano de Unificação Cultural tem tido – e cada vez mais – uma actividade plural e multifacetada. Da filosofia à arte, da ciência ao misticismo, da psicologia às grandes questões internacionais, da pedagogia aos âmbitos do labor social e filantrópico, inúmeras ideias, explicações sistemáticas e propostas inovadoras têm sido apresentadas. Os seus diferentes tipos de publicações e de iniciativas abrangem tanto as obras e eventos de intencionada simplicidade, quanto os de grande fôlego e complexidade (incluindo-se vários degraus intermédios), falando quer à razão quer ao coração, às noções éticas como ao sentido estético. O seu trabalho tem chegado a todos os estratos sociais, culturais, etários e étnicos, difundiu-se por todas as regiões de Portugal, expandiu-se por dezenas de países dos cinco continentes.
A pluralidade da sua acção representa, a nosso ver, uma riqueza e um valor; pensamos, mesmo, que é essa diversidade de formas e domínios de intervenção que, em grande medida, tem feito alargar o número e a tipologia do público interessado nas suas actividades e nas suas publicações, apesar de nunca se ter cedido a qualquer postura de populismo. Afortunadamente, temos observado que é regra a justa compreensão e reconhecimento desse esforço de ser útil em muitas áreas; ainda assim, pode ser oportuno lembrar que a particular atenção dada, num especial momento, a uma das frentes de trabalho, não significa esquecimento ou desinteresse (acerca) de outras necessidades. Por exemplo, a revista “Biosofia” consubstancia um trabalho basicamente orientado para uma sólida, rigorosa e prestigiante apresentação de valores espirituais, demonstrando que não estão fundamentados em crendice mas, antes, em compreensão e em ciência. Pode até, em um ou outro número, parecer demasiado mental ou erudita. Entretanto, o Centro Lusitano de Unificação Cultural continua a sustentar muitas outras actividades, algumas das quais bem mais simples e dirigidas à vivência e ao sentir. Manter esse equilíbrio nem sempre é fácil mas constitui uma arte que nos importa cultivar, esperando que tal empenho não passe despercebido.
Cabe lembrar que esta é uma obra de amor, impelida pelo anelo de um mundo melhor. Construir, para esse fim, sempre de modo crescente em quantidade e em qualidade (dentro das nossas limitações, humanas e materiais e, seguramente, com alguns erros que, aliás, somos os primeiros a reconhecer) tem representado toda a nossa dedicação e todo o nosso enlevo. Há um trabalho sério, que não começou nem nunca esteve dependente da obtenção de subsídios e “amparos”; teremos, até, alguma inércia e certo pudor em pedi-los. Em contrapartida, nunca faltou generosidade, tanto dos responsáveis do CLUC, como de diversos amigos de boa vontade, a quem estamos imensamente gratos.
Temos a profunda convicção de que vale a pena, tanto pelos resultados directamente obtidos, como pelos que sobrevêm de forma indirecta. Quanto a este último aspecto, poderíamos demonstrar – com factos, datas, nomes e números – como ideias, propostas e frases que apresentámos ao longo dos anos vêm depois a ser aplicados, decalcados, repetidos e desenvolvidos (por diversos responsáveis nacionais e internacionais), malgrado, em muitos casos, a omissão da fonte originária. Apesar desta última constatação, trata-se de uma realidade que nos alegra e encoraja, mesmo sendo certo que, em alguns casos, a sinceridade ou, até, a honestidade de indicar a fonte nos teria favorecido a oportunidade de expor muitas mais ideias, projectos e propostas – e, sobretudo, com toda a sua amplitude e alcance. O que tem acontecido (e o que poderia ou pode vir a ser apresentado na integralidade) diz respeito a um pouco de tudo nos diversos âmbitos do conhecimento e da vida humanos.
De tudo um pouco – eis aquilo de que nos ocupamos. De tudo um pouco (ou, se possível, um-pouco-mais-do-que-um-pouco) que possa fazer emergir uma cultura de paz, de fraternidade e de universalismo, em que aprendamos a respeitar, a intercambiar e a partilhar a riqueza da diversidade das raças, das civilizações, das ciências, das manifestações artísticas, das formas religiosas, das perspectivas filosóficas. Só respeitando, activamente, o que nos diferencia (e por respeitar activamente, queremos significar uma justa e atenciosa consideração) e sublinhando o que nos une ou aproxima (antes de tudo, a Vida que nos interliga e de que todos somos expressões), podemos pôr termo ao longo desfile de conflitos, violências e prepotências que tem sido a constante da história da Humanidade, e aspirar a uma paz sólida e duradoura. Enquanto continuarmos a partir da presunção da superioridade, do pré-concebido arrogante e irreflectido de que uma cultura, uma etnia, uma religião, um sistema, um modo de estar no mundo nos basta e que podemos e devemos ignorar, desprezar, ridicularizar ou até esmagar os demais, é impossível extinguir as raízes da incompreensão e do ódio – e, consequentemente, de todos os tipos de guerra. Onde, porém, construirmos uma cultura de paz, onde uma vivência de amor se combine com um entendimento rigoroso, lúcido e alargado (podemos dizer: “uma ciência holística”?), onde as perspectivas diferentes das nossas (ou daquelas em que fomos condicionados.) nos inspirarem uma sã curiosidade e não o desdém ou a rejeição a priori, onde estivermos dispostos a – todos em conjunto – encontrarmos regras firmemente estabelecidas e fundamentadas de convivência universal, dificilmente haverá lugar para prosperarem novos Hitlers, Stalines e Torquemadas, violências e tiranias, racismos e exclusões, sectarismos, fundamentalismos e guerras.
As actividades políticas e económicas são necessárias e respeitáveis, podem ser conduzidas com utilidade e dignidade – e jamais deixaremos de o reconhecer; mas é lamentável que, por exemplo, depois das campanhas eleitorais (e off record), se diga de forma ligeira e desdenhosa “Ah, isso são artistas.”, mesmo quando se alude aos mais reconhecidos e prestigiados. A cultura não pode continuar a ser vista como um departamento (convenientemente tolerado) da actividade ou da tutela política; pelo contrário, é a política que deve ser uma das expressões da cultura – e, idealmente, de uma cultura de paz, de criatividade e de verdadeiro humanismo. Também entre as diversas expressões de cultura – Arte, Política, Religião, Filosofia, Ciência – importa promover o reencontro e a Reconciliação.
Amanhã é já o Ano 2000. É um pretexto para um novo recomeçar, para pensarmos seriamente num mundo melhor. De que outra forma podemos terminar o último Editorial de 1999, se não repetindo as palavras: PERDÃO- RECONCILIAÇÃO- PAZ? E quem pode ser insensível a este apelo, olhando o que tem sido o passado e idealizando o que deve ser o futuro?
Isabel Nunes Governo
Directora da Biosofia
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