Biosofia nº 41

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Editorial

ALIVIAR A PRISÃO PROFISSIONAL:

É PRECISO TRABALHAR MENOS!

Este Editorial é feito com martelo e picareta, não com linha e agulha.

Para não se entender mal o que se vai seguir, sinto-me obrigado a uma rápida referência pessoal.

Nunca fui dado à ociosidade. Em toda a minha vida adulta, e até antes, sempre trabalhei para além das minhas estritas obrigações escolares ou profissionais. Estas, aliás, sempre representaram muito menos energia, e até mesmo tempo, dispendidos, do que outras actividades, de serviço não remunerado, que considero bem mais importantes.

Clarificado isto, vamos ao que é essencial.

A afirmação é talvez chocante, mais ainda em tempo de crise económica em que toda a gente fala em produzir mais, porém, aqui fica: é preciso trabalhar menos, muito menos, no sentido que a palavra trabalhar habitualmente transmite!!! Esse tempo exaustivamente consagrado à “máquina infernal das profissões” deve ser usado em coisas muito mais importantes – e há tantas, tantas, tantas!

Há no mundo, em muitos aspectos, excesso de produção-consumo, e é isso que gera legiões de escravos-que-não-sabem-que-o-são, para satisfazer a ganância, o egoísmo, os caprichos, a sede incessante de mais riqueza e mais poder de alguns – que, à frente de instituições bancárias, gigantescas multinacionais, grandes impérios financeiros, manipulam, dominam e sacrificam tudo e todos quanto lhes apetece. Oferecem, em troca, o brilho fátuo do sucesso material e financeiro, pelo qual milhões se iludem, se desunham e digladiam, aprisionando-se e submetendo-se cada vez mais. É a Santíssima Trindade dos tempos modernos, a quem todos os dias se presta culto: dinheiro, boa aparência e sucesso.

Tanto como a ambição de riqueza dos séculos anteriores e o consumismo das últimas décadas, a loucura das profissões é hoje um poderoso e determinante meio de aprisionamento e alienação dos indivíduos. Pessoas, aos milhões e milhões, giram à volta delas, como se fossem a coisa mais importante possível. Dedicam-se-lhes, entregam-se-lhes, delas dependem em absoluto – psicologicamente, e não apenas economicamente –, até à consumição e à exaustação, muito além do necessário, e até chegarem à ausência de sentimento e de vistas fora do que não diga respeito “àquela” actividade profissional. As carreiras adquirem uma relevância desmedida (de modo significativo, lembremos que em Castelhano, carrera significa “corrida”…). Mesmo os indivíduos considerados inteligentes são básica ou mesmo totalmente cegos, ignorantes, destituídos de interesse em relação a todas as esferas de conhecimento alheias à sua profissão. Especialização funcional, deformação profissional, embrutecimento pessoal, eis o caminho tão generalizadamente percorrido!

Nós subscrevemos inteiramente a afirmação do Prof. Agostinho da Silva: “O homem não nasceu para trabalhar mas sim para criar”. (de resto, pensamos que ao partilharem da vida, dela exsurgindo e para ela contribuindo, todos têm direito à subsistência, tendo ou não uma profissão estabelecida). Muitas vezes, a inabilidade em criar algo… conduz ao precário sucedâneo do “trabalhar muito”. Na cultura estabelecida, tal dá lugar ao convencimento e ao auto-convencimento superficial e medíocre (quase sempre camuflando um grande vazio e uma grande fraqueza interior), mesmo que a profissão desempenhada seja absurda ou até nociva. Assim, particularmente no nosso Portugal, são frequentes as imprecações, com intuito injurioso, de “vai mas é trabalhar” a quem não nos cai no goto.

A prova de que as pessoas são máquinas e estabeleceram o culto universal das palas da especialização instrumental, é que hoje os jovens não são educados e instruídos para se engrandecerem cultural e vocacionalmente, e sim apenas para se alistarem nas filas de profissões que acumulam dinheiro e interessam e alimentam o monstro voraz que é o regime. Os estudos são formatados em função do “mercado de trabalho” (triste expressão, só por si significativa).

Quem consagra oito, dez, doze e mais horas da sua vida diária a uma profissão (e necessária viagem de ida e regresso), e chega à noite a casa exaurido para então enfrentar os deveres para com a família, não pode ter tempo nem espaço interior para deixar que emerja e germine o verdadeiro potencial próprio, que todos temos. A esmagadora maioria da população mundial está assim condenada à asfixia e inibição de toda esta riqueza, a mais importante e válida de todas.

Para dizer a verdade, há efectivamente inúmeras profissões que apenas são necessárias na nossa estúpida e absurda civilização, do mesmo modo como há inúmeros produtos e inúmeros serviços que, pura e simplesmente, seria melhor que não existissem, sem falar naqueles que não têm qualquer interesse. Pensar bem, ser criativo, partilhar cultura, por exemplo, é imensamente mais útil.

Há sem dúvida pessoas viciadamente felizes (assim o julgam) e dominadoras nas suas actividades profissionais e de negócio; mas os restantes seres humanos – milhões e milhões – não têm que ser arrastados ao serviço do seu egoísmo. Pelo contrário. Esse vício tem que ser restringido e em alguns casos até penalizado, porque há os outros, há os outros, que não queriam participar nesta loucura mas são enredados, esmagados, triturados, desumanizados por causa de uma ganância ilimitada e injustificada.

José Manuel Anacleto
Presidente do Centro Lusitano de Unificação Cultural

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