Biosofia nº 15

3.50

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Vidas Maiores

 

PIETRO UBALDI

UM GRANDE FILÓSOFO E MÍSTICO DO SÉC. XX

 

«O Universo é ordem ou caos? 0 Universo é ordem. Isto é o que me dizem a ciência, a história e tantos anos de observação e experiência. Cheguei à conclusão que o Universo é um funcionamento  orgânico em marcha para determinada meta: que todos os fenómenos se encadeiam segundo uma lei em cujo âmago sinto o pensamento e toco com as mãos a vontade de Deus presente e actuante. Assim concluí, com a segurança que me deram 30 anos de estudo, de experiência e de dor.» (1)

 

Todos os séculos, todas as épocas, são marcados por grandes figuras que fazem e são a história. É o caso do Séc. XX e de Pietro Ubaldi. Ubaldi não foi grande, por ter aparentado grandeza, como os homens e as mulheres do mundo que constantemente procuram promover a. sua “imagem”. Pietro foi grande, porque a sua alma e a sua obra ultrapassaram o seu tempo e fulguram lá no alto como estrelas polares que revelam um novo homem e um novo tempo.

 

Pietro Ubaldi nasceu a 18 de Agosto de 1886, em Foligno, pequena cidade da Província de Perúgia, a 18 Km de Assis, Itália. Aristocrata de nascença, seus pais, Sante Ubaldi e Lavinia Alleori Ubaldi (Condessa), legaram-lhe bens suficientes para o manter muito bem materialmente nessa e, se tal fora possível, nas seguintes reencarnações… Contudo, Pietro nunca se deu bem com a riqueza. A riqueza foi para ele como que um espinho em pata de Leão – o seu signo solar era Leão. Enquanto não se viu livre dela, não descansou, não serenou.

 

0 seu número de destino, 22, marca caracteristicamente todo o seu percurso de vida (a vida de um discípulo adiantado no caminho espiritual), dedicado a uma obra que o ultrapassa, a uma obra que não é dele – mas de Cristo, do Plano Divino, do Reino de Deus.

 

A infância foi passada em Foligno, no palácio Alleori, num ambiente provinciano, rural, cató1ico praticante e, todavia, culto. Desde pequeno que sentiu uma forte atracção pelo franciscanismo e pelos ensinamentos de Cristo. Aos cinco anos pediu à mãe para ir para a escola.

 

No secundário, aconteceu um momento de verdadeira iluminação interior: foi quando pela primeira vez ouviu, pela boca do seu professor de ciências, o conceito de evolução.

 

Pietro Ubaldi formou-se, por influência dos seus pais, em Direito e Música. Estudou línguas: para além da sua língua mãe, falava fluentemente, inglês, francês, alemão, espanhol e português. O seu pensamento voou e planou nos filósofos, e banhou-­se nas diferentes correntes religiosas. Era um homem de cultura superior.

 

Casou-se aos 25 anos, com uma jovem rica e bonita, Maria Antonieta Solfanelli. Desta união nasceram 3 filhos: Vicenzina, Franco e Agnese.

 

Em 1927, por ocasião do falecimento do pai, faz o voto de pobreza e transfere para a família a parte dos bens que lhe pertencia. Como consequência desta sua decisão, dá-se o seu encontro com Cristo, que então lhe aparece. Escreve mais tarde, nas «Bem Aventuranças»: «Que importa se ganhei e perdi, se estou bem ou mal, se sou rico ou pobre, amado ou amaldiçoado – se Tu estás aqui, Senhor, e eu não me encontro mais sozinho, e Tu estás ao meu lado e me animas? Que importa a riqueza ou a miséria exterior – se dentro de mim canta a magnificência do Universo? Que importa se nada mais possuo, se sou desprezado e ignoro o meu amanhã – se atingi a fonte das coisas eternas? …» (2).

 

Em 1931, com 45 anos, P. U. dá mais um passo na sua ascensão espiritual: a renúncia franciscana. Decide, dali por diante, viver apenas do suor do seu rosto, e abdica de todo o conforto proporcionado pela família e pela riqueza material. Concorre para professor de inglês e é colocado na Escola Secundária de Módica, na Sicília. No ano seguinte, concorre novamente e fica na Escola Otaviano Nelli, em Gúbio, Norte de Itália, mais próximo da família. É aqui que trabalha durante 20 anos, vivendo num quarto humilde de uma pensão situada na encosta da montanha.

 

Na noite de Natal de 1931, escreve, de um só fôlego, a sua primeira grande mensagem, «Mensagem de Natal»: «Falo hoje a todos os justos da Terra, e chamo-os de todas as partes do mundo, a fim de unificarem as suas aspirações e preces numa oblata que se eleve ao Céu. Que nenhuma barreira de religião, de nacionalidade ou de raça vos divida porque não está longe o dia em que somente uma será a divisão entre os homens; justos e injustos.» Seguiram-se mais 6 mensagens e a última, «Mensagem da Nova Era», escrita na Noite de Natal de 1953 em S. Vicente, no Brasil, diz-nos: «Estais ainda imersos em cerradas neblinas. Mas, a/ém delas, já brilha o sol, que está para despontar e inundar o mundo de luz e calor. A outra margem do Novo Reino está próxima e a humanidade prepara-se para nela desembarcar. O novo continente já aparece aos olhos do navegante experimentado, e a humanidade, após a grande viagem de dois mil anos, pode gritar “terra, terra “» (3).

 

No verão de 1932, iniciou o livro central de toda a sua obra, «A Grande Síntese». Escreve ele: «0 pensamento humano progride. Cada século, cada povo segue um conceito, conforme um desenvolvimento traçado por leis que vos são impostas. A ideia nova, em qualquer campo, chega sempre do Alto e é recebida pela intuição do génio. Depois a tomais, a observais, a decompondes, a viveis, e ela penetra nos vossas vidas e nas vossas leis. Assim a ideia desce e, quando fixada na matéria, o seu ciclo está então feito e vós a rejeitais, e por lhe terdes absorvido a substância, a largais, dando lugar, na vossa  alma individual e colectiva, à utilização de um novo sopro divino.

 

O vosso século teve e desenvolveu uma ideia toda própria, que os séculos precedentes não tiveram, por estarem atentos a receber e a desenvolver outras. A vossa ideia é a ciência, com a qual pensastes descobrir o absoluto; entretanto também ela é uma ideia relativa que, completado o seu ciclo, passa. Venho, justamente, ao vosso encontro, porque ela está passando.  (…) o vosso sistema de pesquisa objectiva, com base no observação e na experimentação, pode fornecer apenas um determinado rendimento, mas não o ultrapassar; e a razão é um meio. A análise nunca poderá alcançar a grande síntese (que é a grande aspiração existente no fundo de todas as almas), senão à custa de um tempo infinito. Deste não dispondes. A vossa ciência arrisca-se a nunca atingir uma conclusão, e o “ignorabimus” significa falência. A finalidade da ciência não pode cingir-se à multiplicação de comodidades. (…) A ciência pela ciência de nada vale. O seu único valor é tornar-se um meio de elevação da vida. A vossa ciência traz consigo um pecado original: o de se ter dirigido apenas à conquista do bem-estar material. A verdadeira ciência deve possuir uma única finalidade: tornar os homens melhores.  Eis o novo caminho a ser tomado. Esta é a minha ciência.» (4)

 

Seguem-se, até 1951, mais 8 volumes que constituem a obra italiana de Ubaldi. São páginas resultantes de um profundo pensamento, de um coração cristicamente pulsante, de um apostolado superiormente genial. Os escritos de P.U, atrevo-me a dizer, são para a Era que se inicia agora, o que foram as obras de Platão num outro Ciclo; e são fundamentos sobre os quais se formará a idade do 3° Milénio. Escreve ele no prefácio de «Deus e Universo», na Páscoa de 1951: «… toda a obra não passa de um anúncio e de uma preparação, porque, na alvorada do III Milénio Cristo, romperá a pedra do sepulcro e ressurgirá triunfante. E a humanidade ressurgirá com Ele.» E poderia ter acrescentado a frase evangélica: aqueles que tiverem ouvidos, que ouçam.

 

Um dos conceitos fundamentais que atravessa toda a obra de Pietro, é o princípio da unificação. Segundo ele (e como também outros vêm afirmando), caminhamos para uma idade em que as forças de integração – holísticas – se irão manifestar cada vez mais em todos os sectores da vida humana e planetária. Pode ler-se no Cap. I do livro «Ascensões Humanas»: «Calcula-se, afirma Lieck, que um homem adulto seja constituído, em cifras redondas, de 3 biliões de células, e que possua 22 biliões de glóbulos vermelhos. Pense-se, agora, de quantas moIéculas será constituída uma célula, de quantos átomos cada molécula, de quantos e/ectrões cada átomo, e de quais e quantas ondas interferentes será constituído um electrão, e então concluir-se-á da complexa estrutura colectiva progressiva sobre a qual se eleva o edifício do ser humano. E, no entanto, embora nele exista uma série de mundos, a multidão de elementos que o compõem coordena-se tão harmonicamente que esta unidade-síntese, que é o homem, sente-se perfeitamente una no seu eu. Mas o homem, por sua vez, não é senão um elemento da sociedade humana, e esta, a seu turno, de uma humanidade mais vasta, até ao infinito. Atendo-nos a esta observação dos factos, de um ponto de vista científico, poderemos imaginar Deus como a máxima unidade-síntese, em que se reunificam estes agregados que, gradativamente, progredindo de unidade-síntese em unidade-síntese, chegam até Ele. Se este é o esquema do universo, que da matéria ascende até ao homem, o mesmo deve suceder também do homem para cima, pois já vimos que o sistema é único em todos os níveis. Ele exprime exactamente o princípio da cisão e reunificação da cisão, confirmando com isto o outro princípio do equilíbrio universal. Deve-se compreender, ademais, que cada unidade-síntese não é apenas a soma dos elementos componentes, mas é a resultante da sua organização, isto é, alguma coisa  qualitativamente em tudo diferente. E assim se prossegue até à unidade máxima, Deus, que decerto não é a soma de todos os elementos do universo, porém algo completamente diferente, e muito maior, não só por ser unidade-síntese, mas também porque, neste ponto, o ciclo dos efeitos se esgota, confundindo-se com a causa, que assim permanece eterna e absoluta, transcendendo todas as suas manifestações imanentes, além da sua natureza exaurível que opera no limitado.

 

A ciência e a lógica que nos permitiram chegar a estes princípios, nos guiarão nas suas importantes aplicações. 0 progresso é, pois, sinónimo de unificação, ou seja, a evolução não se cumpre apenas individualmente, porque mal ela se tenha manifestado neste  sentido, manifesta-se reorganizando rapidamente os elementos em unidades colectivas. Hoje, a identidade de interesses começa a irmanar, em grupos variados, os homens de todo o mundo, num sentido colectivo antes ignorado, pelo menos nas proporções e na extensão que se verificam agora. E o indivíduo  pode encontrar, no respectivo grupo, qualquer que seja este, protecção e valorização. A unificação, sem dúvida, corresponde sempre a um interesse mais alto e a evolução consiste em chegar a compreendê-lo. Assim, mal uma série de indivíduos progride, descobre a maior vantagem de viver organicamente, e não em luta recíproca.

 

Actualmente compreende-se isto para vastas classes sociais; ontem, compreendia-se apenas para grupos menores; amanhã se compreenderá para toda a humanidade. A organização será tão ampla quanta a compreensão. Quanto mais se caminha para o separatismo, tanto mais se desce. A unificação é o caminho da ascensão.

 

Em 1951, visita o Brasil e profere, de Norte a Sul, dezenas de conferências. Como resu1tado desse trabalho, recebe um convite de uns amigos de S. Paulo para ir morar naquele país. Aceita o convite e, a 8 de Dezembro de 1952, desembarca em Santos com a sua mulher, filha e duas netas. A partir de 1953 continua o seu trabalho em S. Vicente, Estado de S. Paulo, e escreve os restantes títulos da sua obra. São 14 volumes que constituem a obra brasi1eira a qual, somada aos 10 títulos da obra italiana, perfaz 24 volumes.

 

É impossível, num espaço tão curto, pretender expor todas as ideias-força de Ubaldi. Na sua extensa obra, muitos são os assuntos abordados, os conceitos desenvolvidos e os vectores de pensamento desenvolvidos. Não gostaria, contudo, de terminar sem citar um trecho dum livro seu, a propósito das três revoluções. Para P. U. o desenvolvimento sócio­-político-espiritual dos últimos séculos é o produto de três grandes revoluções: a primeira, a francesa, é a responsável pelo desenvolvimento e materialização da ideia de democracia. Esta revolução está praticamente terminada, já que, no princípio do Séc. XXI, quase todas as nações do mundo são democráticas. As ditaduras de direita e de esquerda caíram quase todas, sobrando apenas pequenas balsas, que confirmam a regra. A segunda revolução, a russa, foi a promotora do sentido de justiça social. Nesta área, muito ainda está por fazer: as necessidades mais básicas do homem são frequentemente esquecidas. Vivemos num tipo de economia em que, em vez de caminhar para satisfazer as necessidades essenciais do homem (de modo a que nenhum irmão nosso passe fome, sede, durma na rua e deixe de ir à escola, etc, etc), se criam necessidades artificiais numa lógica de consumismo e de culto do desejo, para «encher os bolsos» a uns tantos privilegiados. Cada vez mais, “os ricos ficam mais ricos, e os pobres mais pobres”. Esquecem, os poderes e os poderosos, que, quando os desníveis e desigualdades económicas crescem, as consequentes “enxurradas” e “cataratas” são tão poderosas que afogam tudo e todos. Brincamos com o fogo; não nos queixemos se nos queimarmos. Três deuses, que infectam até os discursos de esquerda, governam o nosso sistema económico: o deus da  competição, o deus do mercado e o deus do crescimento. Em nome destes deuses, suportam-se todas as injustiças e justificam-se todos os métodos, meios e fins (5).

 

Em 1955, escreveu Uba1di em «Profecias» Cap. III: «A revolução francesa, abolindo os privilégios na igualdade, deu ao mundo a liberdade política.  A revolução russa, combatendo os abusos da riqueza com a justiça, dará ao mundo a liberdade económica.

 

Se o caminho da história é um processo de libertação, que vai da escravidão a uma liberdade cada vez maior, de que tipo poderá ser a liberdade que a nova revolução quererá conquistar? A lógica que forçosamente está no pensamento directivo da história, dar-nos-á  a resposta.

 

A terceira revolução já começou. As revoluções podem levar até séculos de preparação. progresso técnico da ciência está preparando as bases materiais, em que se apoiará a nova liberdade. São elas a superação dos limites de espaço e detempo, e a libertação do homem do trabalho material, por intermédio da máquina. A nova conquista da liberdade elevar-se-á sobre as já realizadas pelas duas precedentes: a liberdade política e a económica. 0 homem ficará liberto da ideia fixa da preocupação económica e será servido pela máquina, accionada pela energia atómica. Mas poderá ele, chegado a esse ponto, deter-se e dormir sobre os louros? Não. A vida não pode parar, e com estes novas meios, que se movem de novos pontos de partida, ela continuará a avançar por novas estradas não exploradas. Dominado o planeta, eliminadas as guerras, alcançada a ordem e paz num governo mundial único, sistematizado a serviço do homem o ambiente externo, será iniciada a penetração no mundo do imponderável, do super-sensório, onde jazem inexploradas minas do espírito, os continentes do mundo interior, as forças mais subtis, penetrantes e poderosas do ser. A revolução será pacífica, mas será a maior e a mais decisiva, porque deslocará o eixo, em torno do qual gira o pensamento humano, porque ela ocorrerá no profundo, mais próximo à substância das coisas e, avizinhando-se da fonte primeira do ser, que está no espírito, transformará as nossas formas de vida individual e social.

 

O edifício da liberdade irá elevando-se, assim, cada vez mais alto. As faculdades de raciocínio que se vão afirmando sempre mais em larga escala, nas mentes do mundo civilizado, já preparam o homem, mesmo no fundo da decadência actual, para que possa compreender claramente as verdades, que até agora só foram reveladas e permaneceram escondidas nos mistérios. E o homem poderá ser religioso por compreensão directa, e não apenas pela fé. A revolução é complexa, com mil aspectos, repercussões e consequências práticas. Realizar-se-á na profundidade da alma, realizar-se-á porque os tempos estão maduros, e a vida quer subir ainda, e não poderá deter-se. Após as duas últimas revoluções, a liberdade foi conquistada em todas as direcções, menos nesta, que é a única que ainda não se desenvolveu. Se o progresso, que é lei fatal, quiser continuar, só poderá seguir esse caminho. Tendo sido conquistadas as outras formas de liberdade, só há este outro tipo, para continuar a inevitável ascese da evolução».

 

A sua última obra, «Cristo», terminou-a no dia de Natal de 1971 (6). Por fim, a 29 de Fevereiro de 1972, desencarna (6) no hospital de S. José.

 

Esta é a vida de um homem cuja missão foi extraordinariamente multifacetada: em primeiro lugar, dar aos homens os fundamentos da civilização do III Mi1énio; em segundo, reformar o Cristianismo retomando novamente a sua missão apostólica de há 2000 anos; em terceiro, dar um contributo para que o movimento espiritista possa funcionar numa oitava acima; e, por último, ajudar a integração dessas duas irmãs desavindas, a religião e a ciência.

 

A sua obra ainda está longe de ser entendida e valorizada, como merece. O homem de hoje ainda é muito imaturo para perceber a grandeza do pensamento ubaldiano. Estou certo de que veremos ainda, neste século, a valorização da sua filosofia e do seu pensamento. Saibamos nós, pigmeus em comparação com ele, dar um contributo para que a sua obra tenha o lugar de destaque que deve ter na  nossa civilização e na nossa  cultura.

 

João Gomes

Diácono de uma Igreja Cristã; Coordenador do Ramo “Aquarius” da Sociedade Teosófica de Portugal

 

(1) «História de Um Homem»; p. 23; 3ª Ed., 1986; FUNDAPU

(2) «Pietro Ubaldi e o Terceiro Milénio», p. 85, 6ª Ed.; FUNDAPU.

(3) Veja-se «Grandes Mensagens»; p. 268; FUNDAPU.

(4) Cap.I; FUNDAPU.

(5) Veja-se «Biosofia», nº 14, Editorial.

(6) Pietro Ubaldi previu o terminus da sua obra e a localização temporal da sua morte no seu livro «Profecias», editado em 1955.

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